“Madrugada” / Fiat Lux
Penso que “Fiat Lux” será a expressão correcta, para mim, em relação a este espectáculo.
Refiro-me à cenografia, encenação, interpretação e mesmo à criação literária (ou seja, o texto enquanto papel). Partindo da total escuridão, aliás como em qualquer criação, comecei a vislumbrar um pequeno foco que se/me foi alumiando e também ao espaço envolvente, todo ele. Como o início de uma lareira que pouco a pouco se torna num fogo consolador (e tanto que o homem tem aprendido com o fogo). Portanto “Fiat Lux” não no sentido bíblico mas sim no empírico.
Se a palavra “interrogatório” me interpelou desde cedo, mais me incomodou o seu significado e certamente com o meu crescimento intelectual e político a dita tornou-se minha inimiga. Já há muito que realizei várias tentativas de abordagem ao tema, mas talvez fosse a idade ou o tanto querer dizer, a vontade de a querer extinguir, etc., achei sempre que o resultado final era um grande conjunto de chavões e lugares comuns que me deixavam insatisfeito e profundamente frustrado.
Ao abordar o tema “Migração; espaços físicos e psicológicos” dei por mim a falar do mesmo nesta peça através de um interrogatório, ouro sobre azul ou o incontornável oximoro.
“Madrugada” é uma peça baseada e ficcionada num dos muitos interrogatórios realizados pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (vulgar PIDE) a uma das presas políticas. Não localizei o texto à época, porque com o que se passa actualmente o assunto é, em vários locais do mundo, o quotidiano de muita gente. O tema infelizmente é universal.
O jogo de presa/predador é constante durante esta hora de espectáculo.
Interrogador: Este é o meu trabalho, não estou de nenhum lado, livre de grelhas e chavões. Ninguém me espera mas todos me aguardam.
Interrogada: O que faz de predador presa ou presa livre? Eu neste momento sou maior que tu, eu sou a raiz!
As duas personagens digladiam-se, cada um no seu território, num palco despojado de adereços e futilidades, deixando espaço ao interior de cada um e ao ferimento da luz que é corrente vital para ambos, que a qualquer instante determina o rumo e a vida de alguém.
Deixo aqui uma frase, que me tem acompanhado ao longo deste processo, do amigo António Cabrita, que vagueia pela diáspora, podemos lê-la no seu magnífico ensaio “Respiro”: «Nunca me furtei ao apuro acrobático de montar vários cavalos de uma vez, saltando de uma garupa para outra num equilíbrio instável que me expunha às escorregadelas mais inconvenientes.»
Ou seja na minha leitura sem medo de falhar. - Pedro Estorninho (Autor/Encenador) 22-02-2012
Que Teatro d´Agora, que Vida?
Na cela em cena a noite vai adiantada, é madrugada.
Fora é noite começada, dia de teatro.
Um homem e uma mulher. Um actor e uma actriz.
O Homem e a Mulher. O Pedro e a Helena.
Inteira, a humanidade em palco.
Nos silêncios, nas falas e nos gestos, a vida da gente em questão.
Ali não terminou ainda a noite de que fala Saramago
mas nós sabemos já que se aproxima a madrugada de Sophia.
Atrás do tempo outro tempo vem.
O que nos evoca aquela aurora, que noite se esvaiu, que dia se perfila?
Que luz se anunciava, que promessas prometidas?
Mil sóis e mil luas se passaram.
Aqui chegados, dizem-nos que os cravos não florescem nos quintais.
Que fazer?
Prestes, demandem-se os jardins de magnólias e
outras anormalidades.
Mesmo quando nos dizem que
num raio de trinta quilómetros não existe magnólia nenhuma. - José Leitão (Apoio dramatúrgico / Director artístico do Teatro Art´Imagem) 01-03-2012