"Passaram-se dez anos sobre as acontecimentos narrados por Robert L. Stevenson no seu famoso livro "A Ilha do Tesouro". Long John Silver, o temido pirata do romance, é agora proprietário da "Taberna Perna de Pau" no Porto. A cidade vive ainda o rescaldo do "revolta dos taberneiros" e as águas do Douro invadem as ruas da Ribeira em mais uma das suas cíclicas cheias. Jim Hawkins, o rapaz da novela, é hoje capitão da marinha real britânica e está ancorado na cidade invicta. Os dois encontram-se e revivem acaloradamente as suas aventuras, zangas e traições e o destino do tesouro, cuja principal parte, segundo o pirata, ainda está escondida na Ilha. O antigo pirata da perna de pau tenta convencer Jim a voltar a Ilha..."
Apontamentos da Encenação
Dois actores em palco para interpretarem duas personagens principais e mais outras tantas de uma peça de teatro escrita a partir de um famoso romance em que o autor, sem deixar de contar o essencial do enredo original de Steveson, utilizando mesmo muitos trechos da obra, acrescenta uma outra história, situando-a no Porto num momento histórico agitado da vida da cidade e ensaiando ainda uma pequena discussão filosófica sobre a pirataria, o dever, a lealdade, a justiça e a amizade, pondo em causa, talvez, esses mesmos princípios abordados na obra do autor escocês ainda à luz de uma certa moral vitoriana. Estávamos então no limiar da revolução industrial e iam sendo criados os pressupostos teóricos para o advento do capitalismo.
Nesta encenação foi entregue aos actores a tarefa de darem corpo a uma multidão de personagens e figurantes, desafiados para uma interpretação labiríntica e obrigados a tornear o tom narrativo do texto, em que o diálogo e a contra-cena se têm de afirmar em diversos registos interpretativos e em tempos muito curtos. Eles estão entre a palavra e a acção, entre a narração e a interpretação, passando de contadores a verdadeiros interpretes dos factos que vão descrevendo. O jogo cénico exige rapidez e discernimento, porque os actores têm de "despir" em segundos uma personagem para serem logo outra, outra e mais outra. Para dificultar (!) e pôr à prova os seus talentos acontece que os acontecimentos narrados são descontínuos, fragmentados, podendo confundir os espectadores, principalmente os que não conhecem o romance. As cenas sucedem-se a um ritmo "alucinante" em vários lugares e tempos diferentes e os actores têm que se apropriar e de movimentar diversos adereços para construírem os cenários que darão a verosimilhança teatral necessária para que o público sinta que a acção se passa, de facto, no local de que se fala.
É aqui também que a música construída para o espectáculo, o desenho de luz, o dispositivo cénico e os figurinos ajudam a criar a ilusão de que tudo é verdadeiro.
Aos actores foi ainda feito um último pedido: criatividade para poderem dialogar com personagens invisíveis e com quem não cruzam olhares e também convencer os espectadores a serem personagens da própria história, transformando-os primeiro em tripulantes do navio português "Neptuno" que navega a caminho da Índia e depois convencê-los a irem com eles em busca das riquezas que ainda se encontram escondidas na Ilha do Tesouro.
Todos os criadores deste espectáculo esperam cumprir na perfeição o papel que lhes foi distribuído e fazem votos para que os espectadores que connosco partem nesta aventura encontrem a sua Ilha e achando-a, possam fazer o melhor do tesouro que nela encontraram.
Parafraseando R.L. Steveson, ao longo das nossas vidas todos andamos à procura da nossa Ilha do Tesouro. Das riquezas nela encontradas usámo-las de maneiras diferentes, com prudência ou impensadamente, conforme a natureza de cada um e a sua circunstância.
Um bom espectáculo de Teatro! - José Leitão