TANTO TEATRO! 40 EDIÇÕES DO FAZER A FESTA.
Está ultimada a programação da edição quarenta do Fazer a Festa - Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, apesar de, tal como no ano passado, ter sido adiada devido ao novo e longo confinamento por que tivemos de passar nos primeiros meses de este ano.
Felizmente o Teatro Art'Imagem e as companhias participantes, que terão oito meses e muitas restrições para cumprir os seus programas anuais, conseguiram acertar os seus calendários para que o Festival se realize de 29 de Junho a 4 de Julho, no concelho da Maia, como tem vindo a acontecer nestes últimos anos.
O espetáculo inaugural será no Auditório do Fórum da Maia e toda a outra programação, incluindo a sessão de abertura da Exposição "Tanto Teatro! 40 Edições do Fazer a Festa" , decorrerá no aprazível espaço da Quinta da Caverneira , no seu Palacete , qual castelo com torre altaneira avistando o mar, na bonita eira com tanque de água, esplanada do bar, nos socalcos dos seus amenos jardins e no Auditório, que compõem este importante equipamento cultural que a companhia dinamiza teatralmente, em protocolo com a Câmara Municipal da Maia.
Nascido no Porto em 1982 e não sendo caso único de longevidade, este Festival Internacional de Teatro é o terceiro mais antigo de Portugal e o segundo com o maior número de edições realizadas, nunca tendo tido qualquer interrupção.
Nesta edição comemorativa, terei forçosamente de falar de História e Memória e, procurando descansar desde já os hodiernos e aqueles que só se entregam ao futuro, tentarei não me alongar muito.
Falarei também do agora, deste presente que é hoje, o de se continuar a realizar um Festival que nunca desistiu de lutar abnegadamente, para que todos os anos se efectuasse, apesar das boas ou más circunstâncias por que todos passamos, nestas quatro décadas de tantas e bruscas mudanças, sem que o sector cultural nunca tivesse deixado de estar de fora das prioridades das políticas governamentais e permanentemente à beira do abismo.
Pois, aqui estamos de novo.
Serão sete dias para Fazer a Festa do Teatro com um programa prioritariamente dirigido aos mais novos, e que também deverá interessar e ser partilhado com o público adulto, cuja presença é fundamental para a boa recepcão dos espectáculos, por parte dos mais pequenos espectadores.
Apresentaremos 9 peças de teatro e uma instalação performativa, protagonizadas por um total 8 companhias, quatro delas estrangeiras, 3 de Espanha , 1 do Brasil e 4 portuguesas de diversas localidades do País
Por ordem de entrada em cena, companhias e espectáculos a apresentar, nesta edição "quarternária": Teatro Estúdio Fontenova/teatromosca, de Setúbal e Cacém, "O Triunfo das Porcas"; Os Náufragos Teatro, da Galiza, "Onde Viven os Monstros"; Quinta Parede, de Matosinhos, "Acende a Noite"; Monstro Colectivo, de Setúbal "Avós - Histórias Geminadas no Quintal - "A Avó que não foi Avó" e "Canção de Embalar"; Tanxarina, da Galiza/Espanha, "A Galiña Azul" ; Dragão 7, de S.Paulo/Brasil e Jesus Puebla, de Castela e Leão, "Las Atribulaciones del Sr. Pip".
Haverá ainda uma Tertúlia/Encontro "Para que servem os Festivais de Teatro para a Infância e Juventude" e dois lançamentos: de uma revista "Novos Cadernos do Fazer a Festa nº 4" e do mais recente livro de José Caldas, "50 Anos de Teatro com os Grupos Independentes Portugueses".
Para chegarmos aqui, em preito de homenagem, queremos recordar companhias e grupos, espectáculos e lugares onde se realizaram, através da cópia de um folheto impresso (que se anexa ) da divulgação do programa do primeiro Fazer a Festa que decorreu de 6 a 23 de Maio de 1981.
É graças a este "passado que nunca passa", aos homens e mulheres que o iniciaram e continuaram, às instituições que o apoiaram e aos espectadores, a quem devemos este presente e a possibilidade de fazer futuro.
Do programa do Teatro Art´Imagem, formado em 20 de Agosto de 1981, fazia parte a profissionalização faseada da sua actividade e a organização anual de um Festival de Teatro para a Infância e Juventude. Os seus fundadores, pessoas entre os 15 e 35 anos, uns do teatro de amadores, professores ou ligados ao associativismo, formação e animação cultural, achavam que era com a prática do teatro partilhado com crianças e jovens que o grupo poderia singrar como profissional, aprender e escolher os seus caminhos artísticos, por isso, para além da criação dos seus próprios espectáculos, era necessário organizar um festival que anualmente os colocassem em diálogo e confronto com outras companhias nacionais e estrangeira, como forma de aprendizagem, e com elas estabelecessem laços de amizade e intercâmbio. E assim foi.
Apresentou o seu primeiro espectáculo ao público, "O Vagabundo que Sonha Palhaço", em Leiria, a 24 de Agosto do mesmo ano, integrando o II Encontro de Teatro para a Infância e Juventude do CPTIJ - Centro Português de Teatro para a Infância e Juventude, de que faziam parte os mais importantes grupos de teatro profissionais e de amadores que se dedicavam ao teatro para crianças e jovens.
Logo a 27 do mesmo mês, partíamos para a Bélgica, num automóvel utilitário, cinco elementos, dois actores (um deles também encenador), duas actrizes e uma técnica, mais "cenário" e guarda-roupa no tejadilho da viatura.
Assim, a 31 de Outubro, fazíamos a nossa estreia no estrangeiro, para mais de 100 espectadores, numa aldeia flamenga chamada Wildert (Essen) e no dia seguinte a 1 de Novembro chegávamos a Antuérpia, a capital da Flandres, para actuar no Centro Cultural Português de Antuérpia, para uma maioria de emigrantes portugueses. E tudo começou daí, em Portugal os contactos com as nossas companhias, depois com as estrangeiras...
Voltando ao presente, mas contando-vos ainda do passado, dir-vos-ei que, por incrível que pareça, o Fazer Festa cuja primeira edição decorreu entre 6 e 23 de Maio de 1982, é mais velho em edições (40) que o próprio Teatro Art´Imagem, cujo nascimento ocorreu em 20/8/1981 e só faz 40 anos de actividade em Agosto do corrente ano!
Porquê?
Os Festivais fazem logo um ano, na sua primeira edição, as companhias de teatro, como as pessoas, precisam de 12 meses para festejar o seu primeiro ano de vida.
É caso para dizer que o pai é mais novo que o filho...
E esta pequena confusão acompanha-nos durante todos estes anos, principalmente quando a temos de explicar aos outros.
Terminarei agora, continuando entre o passado e o presente.
Quero lembrar-vos os dias trágicos e dolorosos que antecederam o nosso primeiro fazer a Festa.
Na noite e madrugada de 30 para 1 de Maio de 1982, uma grande manifestação realizava-se no centro da cidade, contra a proibição do Governo Civil do Porto, da CGTP/Intersindical utilizar a Avenida dos Aliados e a Praça da Liberdade, para as Comemorações do Dia do Trabalhador, como sempre aí o fizera desde 1974, locais onde se realizavam, antes da Revolução do 25 de Abril, mesmo contra a proibição do Governo e a vigilância da PIDE.
Nesses dias que a antecederam, o Teatro Art'Imagem afadigava-se na preparação do Festival e, nessa noite, alguns dos seus elementos fizeram uma pausa e também foram a essa manifestação.
Decorria a manifestação acalorada e indignada com a situação, quando chega o Corpo de Intervenção da PSP e "varre" tudo à sua frente...
Consulte-se os jornais dos dias seguintes, está tudo na Google, basta um clic e vontade de saber...
Resultado: 2 mortos. Um jovem vendedor ambulante de 17 anos, morador na Sé, e um operário têxtil e dirigente sindical de 24, este com um tiro nas costas quando fugia. Umas boas dezenas de feridos entupiram as urgências do Santo António.
No dia 5 de Maio, realizam-se os enterros que são acompanhados por alguns de nós muitos milhares de pessoas, em manifestação de pesar...não houve mais mortes, a Polícia não interveio...
Eram os últimos tempos do Governo da Aliança Democrática (AD) do PP/PSD e CDS...
O Primeiro Ministro era Pinto Balsemão, o Ministro da Administração Interna Ângelo Correia e Presidente da República Ramalho Eanes.
Tudo gente de ontem e de hoje.
Estávamos na "verdadeira democracia" que os vencedores do 25 de Novembro tinham implantando.
Na noite de Maio, 6 de Maio chegava de camioneta ao Porto uma dezena e meia de checos pertencentes ao grupo de Praga, Malé Divaldo (Pequeno Teatro) e a 7 de Maio, ainda o Porto chorava os seus mortos e estava de luto, começava na Sala do Sindicato dos Ferroviários, a Campanhã, a primeira peça do primeiro Fazer a Festa...
A vida e o Teatro seguem sempre a par, pertencem ao mesmo mundo em que vivemos.
O futuro é o próximo Fazer a Festa que se realizará 2022 e será a sua 41ª edição.
O presente é este, a 40ª edição que decorre agora em 2021.
A todos os que passaram pela companhia e ao que hoje fazem este Fazer a Festa, um muito obrigado por todo o trabalho.
Temos futuro.
Bom Teatro e Bom Fazer a Festa.
À vossa espera na Maia.
José Leitão
Teatro Art'Imagem
5/6/21.